Translate

Candidatos a Ciclistas

     Aí a pessoa fica impressionada que você pedalou cem quilômetros ou um pouco mais em uma única saída e diz que vai comprar uma bicicleta também para te acompanhar nesses pedais. Então você analisa o comentário, olha para a pessoa e resolve concordar para não desestimular um possível novo ciclista.
    Mas entre a compra da bicicleta e chegar a ter condições de fazer um longão demora um pouco. Geralmente essa empolgação é somente uma memória da infância, onde pegávamos as nossas bicicletas e íamos a qualquer lugar com elas sem nos cansarmos muito. Embora a noção desse qualquer lugar seja  um pouco limitada na ótica de hoje como adulto. Agora na casa dos trinta e todos para quarenta anos, recomeçar a pedalar é uma tarefa razoavelmente árdua. Não só pedalar como qualquer outra atividade física. Na infância, nossas energias se renovam incrivelmente rápido, precisando de um esforço incrivelmente árduo. talvez, com essa lembrança, venha a ideia de que voltar a pedalar não será tão penoso. Mas não é assim que normalmente ocorre e onde uma lembrança boa de infância comece a se tornar um tormento de adulto.
     A primeira barreira que os improváveis novos ciclistas encontram no processo de retorno é o custo inicial. Sempre acham caro. Os que superam essa primeira barreira, mesmo com bicicletas mais baratas, esbarram na realidade de que não é tão fácil como se lembravam que era. Realmente o corpo não se esquece de como se anda de bicicleta, poucos metros depois a coordenação motora e o equilíbrio se reestabelecem. A segunda barreira vem com o confronto expectativa versus realidade: depois de alguns quilômetros de expectativa, vem a realidade de que aqueles cem quilômetros que o amigo, vizinho ou colega de trabalho percorrem estão muito mais distantes do que pareciam estar. 
     Lá pela terceira saída para pedalar, o indivíduo percebe que talvez não  tenha sido uma boa ideia ter comprado uma bicicleta. Substituir a rotina seguida até então, com uma motivação duvidosa, por uma atividade nova e desgastante, demanda uma força de vontade a qual pouquíssimos dispõem. Mas alguns poucos persistem na empreitada as vezes com uma recomendação médica ameaçadora.

Assistindo a provas de ciclismo

     E começa o Tour...  , ou o Giro, ou La Vuelta. Durante vários dias, equipes de vários países, sob vários uniformes, patrocinadores, pedalando em bicicletas de sonhos, percorrendo longas distâncias sob condições climáticas extenuantes. E você assistindo a isso fixamente, nem percebeu quando o corpo involuntariamente começou a gingar como se estivesse pedalando também. 
     Sim, assistir a uma prova de ciclismo é inexplicável como assistir a duas horas de uma corrida de automóveis, noventa minutos de futebol ou passar dias em modo zumbi em frente a um videogame, o que talvez seja o mais inconcebível para uma massa enorme. Ou qualquer outro esporte, porque um aficionado não entende o fascínio do outro por aquela modalidade em questão. 
     No país do futebol, onde uma bola feita com meias e dois pares de sandálias de borracha servem para iniciar no esporte, saber que existem competições do porte das três citadas no início dessa narrativa parece coisa de louco: passar dias sob sol, chuva ou frio extremo, pedalando distâncias que de carro são cansativas. Bicicleta é para buscar pão, trabalhar ou ir para o trabalho. E ainda nem tomaram conhecimento do valor das máquinas. "Tudo isso??? Anda sozinha?" Qual seria a graça? E crescemos sob essa ótica.
     A própria competitividade humana nos leva as corridas ainda quando crianças. Em volta do quarteirão, subindo ou descendo alguma ladeira, aquele sprint (que nem sabíamos que era esse o nome) até a próxima esquina. Uma bicicleta de cada tipo e tamanho cavalgada pela pura vontade de vencer. Mas qualquer coisa se torna competição durante a infância. Coisas absurdas. Mas sempre se descobre alguém com certo potencial a ser trabalhado, que logo é  derrubado pelo desapreço a modalidade em detrimento da paixão nacional. 
      Com a pouca divulgação, ou até mesmo a omissão por parte das mídias ao ciclismo e a muitas outras modalidades, somente fãs fiéis para saberem sobre calendários e as transmissões desses eventos, que são mencionados por nossas emissoras de TV aberta com a mesma importância de quem diz: "calor hoje, hein?"